Carlos e Patrícia Resende conquistaram a Taça de Portugal de andebol. No mesmo dia (4 de junho), pai e filha festejaram o troféu que fechou a época. Ela, que no ano passado foi a melhor aluna do país, também se sagrou campeã. Ele despede-se do ABC, onde foi campeão em 2016, para ir para o Benfica
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Este ano, no andebol, a época acabou com a Taça de Portugal entregue ao ABC, em masculinos, e ao Colégio de Gaia, em femininos. Os troféus pertencem aos museus dos clubes, mas as medalhas acompanham cada jogador. Para casa dos Resende foram três, a de Carlos, treinador do ABC, e a de Patrícia, jogadora do Colégio que ainda acrescentou mais uma, a de campeã nacional.
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Pai e filha, definitivamente destinados ao sucesso, são figuras ímpares no andebol nacional: Carlos Resende foi nome de melhor lateral-esquerdo da Europa, transformando-se num dos mais bem-sucedidos técnicos da sua geração, e Patrícia Resende, a jogadora de elite e notícia de telejornal por ter sido a melhor aluna do país em 2016.
Tudo o que faz, ela faz com distinção e com a mesma naturalidade de quem nasceu para ser campeã... como o pai. Ele, que anda nisto dos títulos há muito tempo, pergunta-lhe: Como te sentes? "É gratificante porque há alguns anos que andamos a construir esta equipa. Somos jovens com qualidade", responde a estudante de Arquitetura, sorridente e de medalhas ao peito. "O pai foi a primeira pessoa a quem as mostrei", dispara.
Carlos, que no ano passado foi campeão, conquistou a Supertaça e Taça Challenge, ficou, desta vez, a perder para a filha mais velha. Olhando para a única medalha de 2017, garante. "Vergonha? [risos] Só se não desse o meu máximo", realça, explicando: "Dar o máximo é o que as estimulo a fazer. Dei o meu máximo, infelizmente não tive a capacidade de ajudar a equipa a ser campeã e a ganhar a Supertaça e a fazer melhor na Liga dos Campeões. Tivemos dificuldades que eu não soube ultrapassar da melhor forma, mas acabar a época ultrapassando duas excelentes equipas na final-four da Taça não é motivo para estar envergonhado.
"Patrícia, que sabe como é representar um clube de modestos recursos, especialmente no feminino, sem mediatismo e com poucos apoios, também sublinhou: "Não temos orçamento mais alto, mas temos valor. Tivemos bons oponentes e, embora outras equipas também o merecessem, no final fomos nós que alcançámos a vitória."
A cumplicidade entre pai e filha é tão evidente que dispensa palavras, mas, mesmo assim, Carlos Resende sublinha-a: "Fico orgulhoso quando me reconhecem por ser pai da Patrícia ou da Joana [ndr: campeã de iniciadas pelo CALeça em 2016], é o melhor troféu que me podem dar. Estas medalhas são apenas isso. Ser pai e ter estas filhas pode ter boa dose de sorte mas são os meus maiores troféus." Patrícia, que cresceu com nome de craque, reage: "Tentei esconder essa parte sempre um pouco senão sentia a obrigação de ser excelente [risos]. Todos perguntavam: o teu pai é lateral-esquerdo e tu jogas a ponta porquê? Sempre tentei fazer tudo por mim, mas é um orgulho ser filha deste pai. A ver se chego ao nível dele [risos]."
Resende, o treinador que durante anos foi ídolo em campo, nunca quis influenciar as filhas. Conta que fez questão que "experimentassem modalidades diferentes", puxando Patrícia para o basquetebol, mas sem sucesso.
"Levei-as para conhecerem outras realidades, mas, uma vez, a Patrícia disse algo que me deixou sem palavras. Estávamos a ver na televisão a final FCPorto-Ovarense em basquetebol e no intervalo ela pôs-se a tentar encestar. Disse-lhe que a levava a um clube para ela experimentar. E ela responde-me: "Que estúpido; este jogo está sempre a parar."" Patrícia solta uma gargalhada e defende-se: "Estava habituada a ver um jogo mais corrido, de mais contacto."
Para a rapariga, que cresceu a ver o pai jogar, o andebol tornou-se um caminho óbvio, seguido também por Joana, a irmã mais nova, melhor marcadora do campeonato de iniciados de 2016. "A única que não é do desporto é a mãe, mas é ela a âncora dos desportistas lá de casa", refere Carlos Resende, apontando para a mulher Cristina, que se faz acompanhar de Benjamin, o pacato cocker preto que também não falha os jogos do ABC e do Colégio de Gaia. "É sempre muito ativo... só lhe falta ressonar", anota o técnico, o Mourinho do andebol. "Não, o Mourinho é que é o Carlos Resende do futebol", corrige Patrícia.
"Nunca tinha visto isto desta forma [risos]", responde o pai, prosseguindo: "Essas comparações são infelizes, o futebol tem uma importância diferente. Mourinho e Cristiano Ronaldo é o que Portugal faz de bom. São embaixadores de todos nós e todos devemos agradecer-lhes." Num tom mais descontraído, lembra: "Eu era o CR3 [Carlos Resende, número 3] e tenho mais golos do que ele certamente. Há mais golos no andebol do que no futebol. E no futebol pagamos 30 euros para às vezes ver zero golos. No andebol, há 50/60 diluídos em cinco/sete euros."
Ano sofrido e varrido pelas lesões
Um ano depois de ter sido campeão, conquistado a Supertaça e a Taça Challenge, Carlos Resende ficou com a Taça de Portugal, vencendo, na final-four, FC Porto e Sporting, numa época atingida por uma onda de lesões que deixou marcas. "Esta época tivemos de tudo: uma fase fantástica, porque foi o primeiro ano em que entrámos na Liga dos Campeões, embora não diretamente porque não temos dimensão económica. Ficámos privados de dois pivôs, dois extremos-diretos e um lateral-direito.
Ficámos sem canhotos de um momento para o outro. Tivemos de nos socorrer de um rapaz que veio de Penedono [Carlos Bandeira] e que nunca pensou jogar nos seniores do ABC e, de um momento para o outro, estava a jogar na Liga dos Campeões. As lesões refletiram-se em alguns pontos perdidos. Depois, com a saída de Nuno Grilo, também foi complicado. Se tivéssemos tido a possibilidade de ter Grilo em boas condições até ao fim, julgo que o ABC estaria na luta pelo título.
"Vencer candidatos ao título como Sporting e FC Porto acaba por ser uma proeza, mas não um milagre: "Não há milagres. Ficámos em quinto. O sucesso dos treinadores está ligado à qualidade dos seus atletas, como pessoas e jogadores. Não é por acaso que alguns clubes grandes procuram os atletas do ABC."
Carlos Resende e o Benfica: " Apresentou projeto de luta pelo título"
Patrícia Resende, que entrou com nota 20 em Arquitetura, vai no segundo ano de curso. Sonha "reabilitar cidades", mais do que se tornar numa Siza Vieira. Carlos escuta e acrescenta: "O lema é ser feliz, sempre". Para ela, ser feliz passa por concluir o curso e, quem sabe, jogar um dia fora: "Se puder, um dia, ser profissional de andebol no estrangeiro... porque não? Mas sempre com a rede do curso, porque ninguém é desportista até ao fim da vida." Carlos Resende diz que ser feliz "no andebol, passa por um novo projeto que lute e que procure novamente ir à Liga dos Campeões". "No ABC, infelizmente não temos estrutura, não temos instalação, o próprio clube não tem uma dimensão humana capaz e lutámos com armas extremamente desiguais." Em relação ao próximo ano, Resende, que enfrenta nova etapa como técnico do Benfica, diz: "O projeto que me apresentaram foi de luta pelo título, mas também de jovens de valor."