Três dias, três ilhas açorianas e outras tantas histórias sobre o Triangle e a aposta da região autónoma em eventos de Trail Run. Há 800 quilómetros de trilhos homologados nas nove ilhas...
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Tens a impressão que tudo o que sabes e ouviste dos Açores é verdade. Aquilo é de facto de uma beleza rara que não te faz, todavia, esquecer de enaltecer a coragem de quem, por escolha ou destino, vive aqui no meio de um belo quadro, no meio do Atlântico, meio esquecido pelo resto de Portugal. Por isso é fácil encontrar histórias bonitas que escondem a dificuldade de viver numa terra onde o mar dita o que falta na prateleira do supermercado ou obriga grávidas a ausentarem-se de casa meses antes de dar à luz.
Subir ao Pico deixaria, só por isso, de ser épico, nunca deixando de ser corajoso e tremendamente difícil. Foi por aí que começou está história açoriana de três ilhas em três dias. Ao convite do ATR para ir ao Triangle dissemos sim, sem hesitar, ainda que com dúvidas que desta vez fosse possível a este humano lento, mas casmurro, aventurar-se para além das palavras, indo para além do porto da Madalena, ponto de partida de um selecionado grupo de atletas dispostos a percorrer 100 quilómetros em três dias, três ilhas, vinhas, escadas esculpidas em lava, fajãs e caldeiras, levadas e trilhos.
O amanhecer de um raro outubro quente invadiu-nos os olhos já a bordo do barco, um lento despertar dos sentidos ao ritmo do sol a erguer-se por trás da montanha do Pico e no balançar das ondas que com gentileza levou-nos a todos, quase 200 pessoas, até ao porto da Madalena, ponto de partida para a primeira etapa do Triangle. Uma praça em tons de vermelho, a sobressair na cor do basalto, e ao alcance do horizonte, a dominadora montanha, ora vaidosa exibindo todo o seu recorte, ora como que envergonhada por tantos olhares, escondendo-se por detrás das nuvens. É neste cenário que, ainda assim, é possível sobressair a primeira personagem da história: Mário Leal, diretor desta e outras duas provas de Trail no arquipélago. Auriculares nos ouvidos, que nunca larga - só o vi sem eles no jantar de encerramento -, Mário nunca deixa o comando, nem que o comando seja o volante do automóvel em que seguimos de encontro a locais de passagem ou abastecimentos. Sempre contactável, permanentemente atento, a mesma atenção que lhe permite reconhecer ao longe os atletas pela forma como correm ou que lhe leva a virar as costas à montanha e de frente para o Faial dar uma entrevista, em direto, para uma rádio local. Mais de uma centena de corredores a caminho do topo do Pico exige organização, a mesma que encontramos na Casa da Montanha onde qualquer aventureiro terá de passar antes de fazer-se ao topo. Numa ilha com 15 trilhos homologados, a ascensão final ao Pico exige que cada um carregue um pequeno aparelho de GPS que rastreia e permite comunicar, para além de três câmaras a filmar em permanência. "Sabemos exatamente onde está cada pessoa", conta a O JOGO, Paulino Costa, diretor do Parque Natural do Pico.
Ricardo Silva foi o mais rápido a alcançar o alto do Pico, a polaca Magdalena Laczak foi a mais veloz a cumprir o distância de quase 30 quilómetros.
Um brinde a quem corre
Noite passada no Pico, manhã cedo no porto da Madalena rumo a São Jorge, ilha de fajãs de encantos mil. O calor voltou a arrasar com a ideia de que nos Açores está sempre a chover, especialmente nesta altura do ano; o mesmo calor que ajudou a confirmar o gosto dos açorianos de receber bem quem chega por bem, abrindo a porta da casa e oferecendo o que de melhor têm. João Manuel Ávila abriu-nos o seu pequeno mundo na Fajã dos Bodes, exibiu com humilde orgulho aquele pedacinho de São Jorge onde recebe e faz amigos. Gritou "golfinhos", apoiou com humor os corredores que lhe passaram à porta e a todos fez questão de propor um brinde com uma da dúzia de aguardentes e licores caseiros. 99% preferiu água uns metros à frente, onde uma mão cheia de voluntários recebia com sorrisos os melhores e os outros. Jérome Rodrigues foi o primeiro a cortar a meta na fajã dos Cumbres, Lucinda Sousa foi a segunda entre as mulheres ao deixar que a polaca Laczak, que por momentos perdera o trilho, cortasse a meta em primeiro lugar. O mar, ali aos pés da meta, ou um chuveiro na casa de um dos habitantes foi a forma de limpar o pó, lavar o corpo e refrescar a alma. Parece mentira, mas foi tudo verdade.
Percorridos perto de 60 quilómetros, feita a travessia de barco de São Jorge para o Faial, ligado o porto da Horta ao vulcão dos Capelinhos de autocarro, os mais de 100 resistentes iniciaram, já perto do meio dia daquele abrasador domingo, a busca do que faltava para completarem a epopeia de uma centena de quilómetros em três dias. Até ao último momento, a ilha aguardou para conhecer o vencedor da terceira edição do Triangle Trail Adventure, esperando, com naturalidade, que Dário Moitoso fosse o herói local improvável. Acabou no segundo lugar da geral, atrás apenas de Ricardo Silva. "O que vou fazer agora? Ainda vou ajudar o meu pai na exploração agrícola", disse a O JOGO. Aos 24 anos, Dário recorda que tudo começou em maio de 2015 e logo com um segundo lugar no Azores Trail Run, por força dos amigos e depois de ter deixado de jogar futebol perante insistentes lesões. Hoje, com a humildade com que dá agora entrevistas à televisão, explica que a dureza do trabalho de cuidar das vacas funciona como motivação para treinar, praticamente todos os dias, e não como desculpa para ficar no sofá. "Se estivesse sentado todo o dia se calhar não me apetecia correr", conta-nos sob o olhar de dois amigos que o acompanharam pelas ilhas.
No aeroporto da Horta, ali pelos lados da porta 1 e 2, lê-se: "Foi um belo horrível. Apesar de nos assustar, era um espetáculo extraordinário". Talvez isto explique os Açores, de certa maneira; e resuma o Triangle Adventure Run, de certa forma.
Os números da terceira edição
Vamos aos números e aos nomes que deram corpo à terceira edição do Triangle Adventure Trail. Ricardo Silva, do Viana Trail, foi o mais rápido ao necessitar de 10h09m20s para ir ao topo do Pico, subir e descer fajãs em São Jorge, ir do vulcão dos Capelinhos à cidade da Horta, um total de 100 quilómetros em três dias. A polaca Magdalena Laczak foi a vencedora entre as mulheres, totalizando 12h15m34s.
"Esta é talvez a única prova no mundo que passa por três áreas com classificação UNESCO, Património Mundial, Reservas da Biosfera e Geoparque", realçou Mário Leal, diretor da prova ao fazer o balanço do evento que percorreu as três ilhas do triângulo açoriano: Faial, São Jorge e Pico.
Ao longo desses três dias, cerca de 150 atletas percorreram os trilhos escolhidos pela equipa do Azores Trail Run, uma equipa que passa agora a concentrar-se em absoluto no Columbus Trail, a 24 de fevereiro de 2018, evento cujas inscrições já estão abertas para as três distâncias: 22, 42 e 77 quilómetro.
Classificação geral
Femininos
1º - Magdalena Laczak (Salomon) - 12:15:34
2º - Fernanda Verde (EDV Viana Trail) - 12:38:35
3º - Lucinda Sousa (Gondomar Futsal Clube) - 12:40:21
Masculinos
1º - Ricardo Silva (EDV Viana Trail) - 10:09:20
2º - Dário Moitoso (CIAIA) - 10:28:58
3º - Jérôme Rodrigues (EDV Viana Trail) - 10:29:15