NASCAR: vida e morte nas 500 milhas de Daytona.
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A verdade é esta: Dale Earnhardt morreu como viveu - depressa, sob as luzes dos holofotes, excitando e assustando e enternecendo aqueles que presenciavam a sua passagem. Estávamos na última volta da edição 2001 das 500 Milhas de Daytona, e o piloto norte-americano tinha feito 49 anos. O automobilismo já falava na sua aposentação, sobretudo depois de em 1998, e ao fim de 20 tentativas, ele ter ganhado finalmente a mais longa distância (804 km) do campeonato NASCAR.
Mas, apesar de já ser dono de uma equipa e de os dois primeiros classificados daquela corrida pilotarem carros da sua propriedade - o amigo Michael Walltrip, há 13 anos à procura de uma vitória, e Dale Earnhardt Jr., o seu próprio filho -, Earnhardt, que vinha em terceiro, continuou a fazer tudo o que podia para vencer. Na última curva da última volta, levou o carro ao limite, bateu ao de leve em Sterling Marlin, rodopiou e enfaixou-se de frente no muro de retenção, a 250 km/h. Kenny Schrader, cujo automóvel foi apanhado no choque, saiu para o socorrer e, assim que viu o seu corpo através da rede do cockpit ainda montada, percebeu que a morte tinha sido imediata.
Foi um dos mais dramáticos acidentes na mais mítica corrida da mais vertiginosa variante de stock cars dos Estados Unidos e do mundo. Protagonista: o mais controverso, um dos mais veteranos e - indiscutivelmente - um dos melhores pilotos NASCAR de sempre.
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De Dale Earnhardt dir-se-ia que foi o Ayrton Senna de Daytona 500 se não se pudesse dizer, provavelmente, que foi até mais do que isso. Já se fez sobre ele um telefilme - The Dale Earnhardt Story, de 2004 (ESPN), com Barry Pepper no papel principal -, mas é mais ou menos consensual que, mais cedo ou mais tarde, se fará o blockbuster. Até porque, como hoje acontece com o filho, "Junior", Dale nunca deixou de corresponder aos apelos da sétima arte. É ele um dos pilotos, por exemplo, de Prego a Fundo (1983), com Burt Reynolds.
Dale Earnhardt nasceu em Kannapolis, na Carolina do Norte, filho do também piloto Ralph Earnhardt. Era desbocado e quezilento. O pai implorou-lhe que fizesse outra carreira, mas ele nem chegou a acabar o liceu, abandonando os estudos para conduzir. Começou o percurso profissional em 1975, aos 24 anos, e em 1980 ganhou o primeiro de sete campeonatos da Winston Series Cup, hoje Monster Energy NASCAR Cup Series.
Chamavam-lhe "O Intimidador", em função do seu estilo agressivo, sem contemplações para com os adversários ou as convenções, e ao longo dos anos foram-lhe juntando outros epítetos, como "O Homem de Negro" ou "O Conde de Monte Carlo". Quando morreu, ao fim de 20 anos de carreira, tinha corrido 676 vezes e vencido 76. Em toda a história dos stock cars norte-americanos, só outros dois pilotos conseguiram, como ele, ganhar sete Winston Cups: Richard Petty e Jimmie Johnson. Para a memória ficava em particular aquela sétima vitória, obtida em 1994, e que para muitos apaixonados da modalidade chegava para o deixar sentado no Olimpo das corridas de automóveis.
Mas Dale queria ganhar Daytona 500, as assustadoras 200 voltas à pista ovalada de Daytona Beach. Há muito que tentava fazê-lo, e, quando enfim o conseguiu, em 1998, após 20 tentativas com os mais variados desfechos, todos os elementos de todas as equipas em prova alinharam-se na pista para o cumprimentar e aplaudir os piões que se pôs a fazer sobre a relva.
Richard Petty, "The King", foi o maior campeão de sempre da NASCAR, com sete vitórias na Daytona 500 e 200 no campeonato. Mas era um cidadão exemplar, ao passo que Dale Earnhardt oscilou sempre entre a genialidade e a loucura
"Daytona 500 é nossa. Ganhamos, ganhamos, ganhamos!", exultou em frente aos jornalistas. Julgou-se então que ia retirar-se, e o facto de ter sido "Junior" a correr com o seu carro - o número 3, sempre ele - na primeira tirada de 1999 reforçou essa ideia, até porque a terceira mulher, Teresa, pedia com insistência a aposentação. Mas em breve Dale estava de volta às pistas, e ainda nesse ano voltou a ganhar em diferentes pistas, provando que, aos 47 anos, continuava a superar-se.
Até que, a 18 de fevereiro de 2001, aconteceu. NASCAR tinha imposto no ano anterior uma série de medidas de segurança, e fora o próprio Earnhardt a contestá-las. "Estão a matar Daytona", proclamou. "Já a mataram!" Em resultado dos seus protestos, foi autorizado um novo sistema de aerodinâmica que, naturalmente, ele próprio foi um dos primeiros a utilizar. Mas não é fácil dizer o que propiciou aquele acidente, embora a troca de argumentos e acusações, as demissões e as novas medidas de segurança se tenham sucedido durante anos, tal o choque daquela morte.
A verdade é que Dale Earnhardt, pela maneira como viver e morreu, nunca foi ou será esquecido. Ainda hoje, na terceira volta de todas as corridas NASCAR, os ecrãs da pista ficam a negro e muitos erguem, solenemente, três dedos no ar. O número 3 só voltou à competição em 2014. Uma estátua de Dale foi instalada em Daytona e uma bancada batizada com o seu nome.
Era um louco e era um génio - a massa de que se fazem os heróis.