Destaques

A crónica chora com Nico Gaitán

Gaitán marca um golo de alta classe, é substituído para o aplauso e senta-se no banco a chorar. Perdoem se me demoro nesta imagem em tempo de festa, mas há assuntos que nos escolhem e aos quais não podemos fugir sem fazer batota. Osvaldo Nicolás Fabián Gaitán - o humilíssimo astro argentino que abriu a baliza do Nacional no último jogo do campeonato com um toque de dar bom nome à geometria; que fez um golo de levantar corações, em Coimbra, na final da Taça da Liga, esticando o tempo até ao impossível, enganando com o corpo e depois, leve, leve, oh tão levemente, chutando a frase mortal; o miúdo tímido que se tornou craque do mundo aqui, que partilhou tantas horas más e boas de Glorioso ao peito - senta-se no banco e chora.

Bem sei que o politicamente correto diz que a histeria das transferências é normal, que faz parte do "futebol moderno", e que "não há pessoas insubstituíveis" mas já "há negócios irrecusáveis". Chamem-me idealista, utópico, doido varrido - para mim, o futebol é outra coisa, o Benfica é outra coisa. Aliás, não é por acaso que falamos de mística e que entendemos o Glorioso como, mais do que um clube, uma espécie de religião que junta ricos e pobres, esquerdistas e direitistas, filósofos e camponeses. O Benfica, para ser o que é, não se pode rebaixar aos ditames pragmáticos do "futebol moderno", esse ramo do comércio internacional. Ao menos (aqui fica o pedido deste adepto com um ponto de exclamação!), que essa não seja a única cartilha na hora de preparar a época seguinte. (A propósito, fazer-se o anúncio da venda de Renato Sanches antes do jogo que vai decidir o campeonato foi um erro triste. Felizmente, a equipa liderada por Rui Vitória soube pôr isso de lado e concentrar-se só na bola.)

A quem pensa que digo isto por viver num mundo de fantasia, a quem acredita que, neste mundo, estamos condenados a aceitar que o clube do nosso coração é uma marca e um entreposto de jogadores (ou, melhor, de "unidades"), eu pergunto: uma equipa que possa construir a sua identidade num horizonte de duas, três épocas não terá mais hipóteses de cumprir o nosso sonho europeu? E que sentido fará formar um craque no amor à camisola se, quando este começa a vestir essa camisola no palco maior do seu sonho, o vendemos à primeira proposta milionária? Já agora, quantos milhões custa um sonho, sabem dizer-me?

AO DOMINGO, NA EDIÇÃO IMPRESSA E E-PAPER, A OPINIÃO DE JACINTO LUCAS PIRES

AO DOMINGO, A MELHOR OPINIÃO DESPORTIVA: Álvaro Magalhães, Carlos Tê, Duarte Gomes, Jacinto Lucas Pires, João Ricardo Pateiro, Jorge Costa, José João Torrinha, Manuel Queiroz, Miguel Pedro, Paulo Baldaia e Rui Barreiro.