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A Festa do Povo

Pedro Correia/Global Imagens

Criar uma Champions League no ciclismo tem afastado a modalidade das suas origens humildes. Graças a Deus a Volta a Portugal nunca se deixou tentar por esse caminho, que lhe seria fatal

E depois de Viana vem Fafe. São duas chegadas com uma caraterística comum, precisamente aquela que faz esta Volta tão grande: a enorme quantidade de público que se acumula nas estradas para nos ver passar. Por muito que nos tentem vender outras ideias, o ciclismo nunca foi um desporto de elite, ou pelo menos nunca foi um desporto para a elite. É um desporto do povo e para o povo.

O que mais surpreende qualquer ciclista estrangeiro quando chega à Volta a Portugal é exatamente a grande quantidade de gente que encontra nas estradas, apesar de o calor ser tórrido. Também os surpreende a velocidade e a agressividade com que se corre, pois este é um ciclismo muito mais puro, corre-se à antiga... Por aqui não há ciclismo de potenciómetro, essa modalidade muito aborrecida, por sabermos sempre como vão terminar as corridas. Por aqui ainda pode vir a passar-se algo do género, mas essa é outra história, de que talvez venha a falar num outro dia; uma história sobre tudo o que se passa numa etapa e não se vê quando a televisão inicia o direto.

Uma Volta no ProTour seria uma corrida sem equipas portuguesas

Há uns anos, os senhores que mandam no ciclismo mundial concordaram criar uma "Champions League" do ciclismo e foi precisamente a partir daí que a modalidade começou a valer cada vez menos. É evidente que a crise também se tem feito notar no pelotão, mas foi essa decisão de separar o ciclismo das suas origens a revelar-se o princípio do fim. Tudo porque essa "elite" não só afectou o número de equipas - e de ciclistas -, como também reduziu o número de corridas, pois aquelas que não ficaram na "grande liga" foram desaparecendo aos poucos. Irremediavelmente, o ProTour fez com que os grandes nomes e as grandes equipas deixassem de ir a essas corridas, nas quais os patrocinadores deixaram de ter interesse, precipitando o seu desaparecimento.

Graças a Deus, os organizadores da Volta a Portugal nunca a tentaram meter nesse circuito da "elite", pois isso levaria a "grandíssima" a perder a sua essência: o povo.

Teríamos caído num erro de novo rico. Quiçá poderíamos ter recebido, algumas vezes, uma ou duas equipas dessa elite - quando a borbulha financeira em que agora vivemos ainda se estava a formar e todos pensávamos que os momentos de bonança nunca acabariam -, mas olhando ao tamanho das empresas deste país, e à situação em que agora estamos, essa mudança criaria uma Volta sem equipas portuguesas, pois Portugal não tem uma só equipa com categoria UCI para poder correr uma prova do ProTour.

No dia em que se pensar que o ciclismo pode ser golfe, acaba a festa do povo

Corri a Volta desde 2000 e em todos esses anos existiu uma coisa em comum, independentemente do nome das equipas ou dos corredores que viessem: o espectáculo sempre foi dado pelas equipas nacionais e é graças a elas que as estradas se enchem de gente. O ciclismo, e não importa a forma como o pintem, nunca será o golfe e no dia em que se pensar assim deixaremos de ter o ciclismo que todos amamos. Senhores, a Volta a Portugal é a festa do povo e espero que nunca deixe de o ser!