Dinda era idolatrado em Leiria nos noventas graças aos golos que eram verdadeiros monumentos. Antigo médio recorda saída do clube quando entrou Mourinho para uma ascensão triunfal.
Dinda é um herói em Leiria, folha de serviços de altíssimo gabarito, com várias presenças na equipa, um total de 141, vivências de grande nível entre subidas e classificações europeias. Mas a marca de super herói assume verdadeira expressão gráfica e um absurdo requinte na ponta da chuteira como se fosse dono de arma futurista infalível e letal. Marca 27 golos no Lis, cobertos pelo recheio da espetacularidade, de paladar mágico, convocando a euforia das bancadas.
Desde Pernambuco, confessa-se radiante por ter visto a União de Leiria garantir passaporte para a II Liga e reocupar posição no mapa profissional, perdida no final da época 2011/12, num pesadelo que começou com descida da I Liga, passando logo depois pela incapacidade de agilizar todos os requisitos para participar na II Liga. A viagem ao inferno teve vários capítulos e as portas de um futuro mais sorridente haviam-se tentado abrir várias vezes, sem sucesso. Agora sim, há um sentimento unionista mais forte e envolvente. Dinda entende e deixa as memórias dos melhores anos com o futebol na cidade.
"O Leiria marcou-me a vida, embora também tenha estado muito bem na Madeira. Mas Leiria abriu tudo, saí pobre e oriundo de família pobre. A minha carreira começou seriamente aí. Essa cidade é como se fosse a minha terra-natal, até parece que nasci aí pela forma como fui recebido por toda a gente. Vivi muitas histórias, é um prazer grande contá-las porque as recordações são maravilhosas", documenta. São pedaços adocicados de uma aventura feliz que se recortam com facilidade.
"Coloquei na mente que era o clube perfeito para me mostrar na Europa. Foi um sucesso, mas aos bocadinhos, primeiro emprestado ao Paços, onde fiz uma grande temporada, depois com nova cedência, à Académica, coroada com uma subida com Vítor Oliveira. A equipa vai para a I Liga, eu volto para Leiria, para a II Divisão. E aí, nova subida para mim, já com Manuel Cajuda. O presidente montou uma grande equipa, vieram grandes jogadores, a época acaba por ser excelente e com vários momentos inesquecíveis", lembra e entra nas épicas celebrações. "Leiria parou, do que me lembro foram três ou quatro dias de festa. Uma coisa marcante mesmo, porque a equipa levava tempo afastada da primeira", contextualiza.
"Em Leiria não posso esquecer todo aquele núcleo duro que me ajudou, como Bilro, Crespo, Poejo, João Manuel, Mário Artur. Deixaram-me à vontade e pude desenvolver o meu futebol. Eles foram a razão e força maior para eu tentar agarrar voos mais altos", curva-se, aceitando uma introspeção ao momento que trocou Leiria pelo Funchal, deixando fugir a chance de conhecer Mourinho e, quiçá, agarrar um passaporte para a eternidade como Nuno Valente e Derlei: "Fui sair quando ele chegou. Gaúcho cobrava-me isso!", afirma Dinda, colega de Juninho Pernambucano no Sport, antes de vir para Portugal ainda como avançado.
Memórias
Bartolomeu, um pai e líder maravilhoso
"João Bartolomeu foi um pai para mim e um presidente maravilhoso. Sempre se preocupou comigo, cumprimentava-me todos os dias. Guiou-me por um caminho certo e devo-lhe muito pelo meu trajeto em Portugal, não o posso esquecer. A minha mãe ensinou-me que só se tem o que Deus quer. Se não me deixou sair, foi porque não tinha de ser assim. Podemos ficar chateados, mas esse algo mais pode ser um tiro pela culatra. Não sabemos o que nos espera, podemos ser maltratados e não ganhar nada. Não é o dinheiro que me vai deixar mais feliz."
Lugar do Leiria é na I Divisão e na UEFA
"Fiquei triste, não imaginava que o Leiria caísse onde caiu, foi uma decadência grande. Quando não se organiza, as coisas más acontecem ou o clube deixa de andar. Estou muito feliz de ver agora o Leiria retomar um período ascendente, mas precisa é de chegar à I Divisão. E até devia voltar a disputar a UEFA. Quando aí jogava, a pior classificação foi um 10.º lugar, ficávamos, por norma, entre quintos e sétimos. É por aí que o Leiria deve voltar a fixar objetivos."
Rota trocada com Mourinho
"A vida de um jogador são oportunidades, o presidente não me deixara sair para o Sporting e Vitória. O contrato expirou e dei a minha palavra ao Marítimo. Veio Mourinho, tivemos uma conversa franca e ele queria muito que eu ficasse, e garantia que o projeto ia dar certo. Mozer também me tentou demover. Por um lado há essa pena, podia ter trabalhado com ele, chegado ao FC Porto e ganho muitas coisas. Quem não gostaria! Derlei sempre dizia "é sensacional!"".
Mortífero a rematar com golos favoritos
"Não havia segredos, era muita concentração e muitos treinos, acabava a sessão e batia mais umas 30 faltas. Vai-se ganhando um jeito de bater na bola, fazer curva ou tentar direto. Nunca é a questão da força, é o jeito de fazer a bola ganhar velocidade. Era giro ser chamado "pontapé canhão", começava a correr para bater a bola e já todos aplaudiam e gritavam. As coisas aconteciam naturalmente", conta Dinda, elegendo os melhores. "Guardo especialmente a cobrança de uma falta pouco depois do meio-campo, contra o Espinho, importante na subida. E também um golo ao Benfica, decisivo na permanência. O Costinha bate a bola, ela cai perto da área contrária, eu faço um arranque maravilhoso, tabelo com o Paulo Alves, ele devolve de calcanhar, eu dou um drible em Rojas e faço um grande golo ao Enke", recorda a figura eterna em Leiria. Os veteranos do União têm o brasileiro, retratado num grande cartaz, como mascote.
O "mais maluco" era Pedro Miguel
O grupo de trabalho que acolheu Dinda foi uma base e uma escola de vida para o brasileiro, onde nunca faltaram referências. "O Bilro era um vencedor, não gostava de perder nem a cartas. João Manuel era outro grande exemplo no balneário. Mário Artur era um irmão, era solteiro tal como Crespo e fiquei a morar com os dois. Ficou uma amizade enorme com o Mário", recorda, identificando aqueles que geravam maior boa disposição. "Os mais malucos eram Leonel, o nosso lateral-esquerdo, mas pior era, sem dúvida, o Pedro Miguel. Não tinha horas mas era fora de série no campo, jogava e resolvia. Mas se jogávamos ao domingo, tínhamos treino segunda de tarde. Ele saía do campo e aparecia igual na segunda, com a mesma roupa, completamente de ressaca. Hoje já se pode falar. Um grande maluco mas de coração sensacional. Poejo também tinha as suas coisas", revela.