Paulo Faria, antigo internacional A de andebol e ex-treinador escreve para O JOGO
Nem sei por onde começar a tentar descrever a alegria e o agradecimento por este apuramento histórico para os Jogos olímpicos de Tóquio, descrever as lágrimas que, muitos de nós, com emoção, vertemos.
Podia falar de aspetos táticos do jogo, aqueles que me deixaram frustrado na primeira parte quando estávamos a perder por seis, com os insultos aos jogadores e treinador cada vez que falhávamos, cada vez que eu achava que deveríamos ter jogado de outra forma, ou deveriam estar outros jogadores a jogar.
Sem dados reais poderia falar das estatísticas que, em muitos casos, devem dizer que Portugal falhou na eficácia do ataque, na eficácia do remate, no número elevado de faltas técnicas etc etc, deveriam traduzir outro resultado, não importa... estamos lá!
Poderia falar da ausência de muitos jogadores por lesão, principalmente de Miguel Martins e Humberto Gomes, que fragilizaram o plantel e condicionaram e muito a nossa prestação.
Poderia falar da injustiça do resultado com a Croácia, com aquele vermelho direto que não foi dado ao jogador adversário por ação muito violenta sobre o Rui Silva, e com o impacto psicológico negativo que teve sobre um plantel já esgotado de tantas emoções vividas nos últimos 15 dias, poderia não ter mais força para fazer o que fez.... Voltar a vencer a França em França.
Poderia falar da ausência do Quintana, e do desgaste, ou da motivação extra que por Quintana e para Quintana todos os jogadores quiseram dar o seu máximo e fizeram das fraquezas força.
Podia falar do peso que Rui Silva teve nas costas em dois momentos, no primeiro saber que era o único central disponível para jogar o jogo da vida de Portugal, mesmo tendo a consciência que mesmo se jogasse mal teria que cumprir os 60 minutos. O Segundo ter nas mãos, nos últimos segundos, o remate que fez história, e fez.
Temos uma seleção incrível, com enormes talentos, que vão, de certeza, ingressar nos melhores clubes europeus, temos uma geração de jogadores que tem tudo e que merecem sucesso, que conseguem cumprir os requisitos dos valores do desporto da atualidade, que é serem os melhores, nunca abdicando da ética e fair play, souberam perder, souberam ganhar, conseguiram vencer.
Mas quero falar dos treinadores portugueses e do presente que o professor Paulo Jorge, nosso selecionador, nos deu.
Paulo Jorge, para quem não sabe, abdicou de um emprego certo para a vida, deixou de ser professor efetivo de Educação Física e Desporto no ensino oficial, para apostar numa carreira imprevisível, arriscada sem contrato vitalício de treinador de andebol. Com o apoio da família (decisivo), mas com um custo elevado de sacrifícios, de permanentes ausências, perdas de diversos momentos do crescimento dos seus filhos, aniversários, resultados académicos, festas de finalistas e muitos outros momentos do crescimento deles, mas apostou, arriscou e venceu e ao vencer, vencemos todos.
Paulo Jorge apostou na formação, (ainda estes dias a FAP organizou um fantástico Seminário - PRO LICENCE SEMINAR/ SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE ANDEBOL 2021- 11 a 14 de março) investiu muito, quis aprender cada vez mais, e nós, treinadores portugueses, temos que estar felizes, orgulhosos e devemos aproveitar as portas que certamente este feito vai abrir para outros treinadores que queiram também correr este risco.
Como Paulo Jorge disse, não é o melhor treinador do mundo, falha, erra - ainda ontem discordei dele algumas vezes - , mas foi, até este momento, o treinador português que mais procurou sair da zona de conforto, conseguindo atingir o maior feito ao nível de seleções para o andebol.
Como dizem os "futeboleiros" ... obrigado Mister!