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"O adjunto disse: 'Não vão acionar a tua opção de compra, é por isso que não vais jogar'"

Rebocho defrontou o Braga na Liga Europa 2019/20 Gonçalo Delgado/Global Imagens

ENTREVISTA - Aventura turca correu mal a Pedro Rebocho, que se deixou iludir com promessas que não eram para cumprir.

Em 2018/19, Pedro Rebocho foi o terceiro defesa com mais assistências para golo no top-5 das ligas europeias. Jogava então no Guingamp, de França. A produtividade ofensiva convenceu o Besiktas a apostar nele, mas com uma cláusula que viria a tornar-se decisiva para o insucesso. E o lateral-esquerdo português acabou por regressar da Turquia com uma sensação de amargura, sem o prometido contrato de sonho e, pior do que isso, com salários em atraso.

Que balanço faz deste ano que passou no Besiktas?

-Positivo, mas ao mesmo tempo com um sabor agridoce. Tive momentos muito bons, mas a partir de janeiro tudo mudou e a época já não correu como eu esperava. Adorei Istambul, os adeptos, o estádio, que tinha o melhor ambiente onde já joguei. Mas também houve partes menos positivas.

A que se refere?

-Havia uma cláusula no contrato que previa que, quando eu atingisse os 20 jogos no clube, o Besiktas tinha obrigatoriamente que me comprar. Só que, depois de eu ter feito a 17.ª partida o treinador adjunto veio falar comigo e disse: "Como sabes, o clube está muito mal financeiramente e os dirigentes não vão acionar a tua cláusula de compra. É por isso que já não vais jogar o próximo jogo. Supostamente ias jogar hoje, mas até a tua situação estar resolvida a Direção diz que não jogas". A partir daí, não joguei mais. Fui convocado algumas vezes, mas sentia que não era com a intenção de me porem a jogar.

Quanto tinha que pagar o Besiktas para o adquirir?

-Creio que era à volta de dois milhões e tal de euros, não sei ao certo. Mas o clube vivia grandes dificuldades financeiras. Era uma realidade completamente diferente. Cheguei a ficar seis meses sem receber e neste momento ainda tenho salários em atraso. Com esses problemas faltava-me motivação para jogar. Sempre pensei que fazer 20 jogos estava longe de ser inatingível, mas não aconteceu. Dos adeptos é que não tenho razões de queixa. Sempre me apoiaram e mesmo na altura da despedida recebi muitas mensagens positivas deles.

A crise do clube teve a ver com a pandemia?

-Não. Aconteceu desde que cheguei, pois nunca recebi um salário em dia. Logo de início atrasaram dois meses. Há pouco tempo, tinha quatro salários em atraso e ainda a renda da casa que pagava eu com a condição de eles me reembolsarem. Entretanto, pagaram dois ordenados, pelo que agora são dois meses em atraso.

Como pensa resolver esta situação?

-Chegámos a pensar em apresentar o caso à FIFA, mas entretanto pagaram dois meses e já não vamos fazer isso. O meu objetivo também não era esse. Eu não queria arranjar problemas com o clube, até porque me sentia bem lá. E a questão financeira nem sequer é com o objetivo de comprar roupa, ou de comprar um carro, não tem nada a ver com isso. É só porque tenho uma família, tenho contas a pagar e não tenho que estar a pensar: "E se eu não pagar esta conta?" É um problema que já existia no clube na época passada e nos anos anteriores também, com o anterior presidente. O novo presidente melhorou um pouco e sempre foi sincero, isso é verdade, disse que ia tentar resolver a questão financeira até ao fim da época.

Com a pandemia piorou tudo, não?

-Sim, claro, eles perderam o dinheiro dos direitos televisivos e também as receitas da bilheteira, entre outras verbas.

Havia mais jogadores na mesma situação?

-Sim, sim.

Como resumiria esta aventura turca?

-Foi uma experiência incrível, mas houve algo que ficou por fazer.

Não volta lá mais?

-Admito voltar, porque ficou um carinho pelo clube, cidade, adeptos. Para mim, conta mais o lado positivo do que o negativo. O que retiro de lá são os momentos bons que tive.

De qualquer forma, mencionou aqui uma clivagem grande.

-Se eu cumpro com os meus deveres, se me apresento todos os dias para treinar, respeitando as regras e o regulamento do clube... Andar a trabalhar sem receber? Eu gosto muito de jogar futebol, mas isto para mim é uma profissão. E o dinheiro nunca foi o mais importante. Jogo porque gosto de jogar. Mas estar quatro meses sem receber, e agora dois, é muito tempo. É um problema recorrente e também quero contar isto porque é importante os jogadores que possam ir para lá saberem. Esse foi um ponto negativo e também o facto de me deixarem de fora tanto tempo, só por causa dessa tal cláusula.

E agora? Quais os seus planos?

-Conto ficar uns dias em Portugal, a visitar a minha família que não vejo há algum tempo. Há um ano que não estava em cá, quero aproveitar para estar com os amigos. É sempre tudo a correr, há muita coisa a fazer. Depois volto a França e aos treinos. Tenho que lá estar dia 9. Eles começaram na segunda-feira, mas eu pedi para chegar mais tarde, porque estive muito tempo fora de Portugal e foi uma época difícil.

Rodrigo Cortez