Uma estátua de bronze inaugurada há dias em Melbourne parece fazer as pazes com a memória de Peter Norman, o atleta que, em 1968, foi solidário no pódio com a luta antirracista dos companheiros americanos
É uma das fotos mais icónicas de sempre: na cerimónia do pódio da corrida de 200 metros dos Jogos Olímpicos de 1968, Tommy Smith e John Carlos sobressaíram, cabisbaixos e de punho erguido com uma luva preta calçada, em sinal de protesto contra a desigualdade racial nos Estados Unidos.
Ao lado deles, Peter Norman, um pálido australiano que conseguira o segundo lugar, completou a cena, solidário com o momento e com um distintivo da luta dos direitos humanos ao peito, para deixar bem claro que assinava por baixo a mensagem.
A Austrália não gostou de ver o seu atleta partilhar aquela mensagem política e ostracizou-o daí em diante, apesar de Norman, que faleceu de problemas cardíacos em 2006, continuar a ser, ainda hoje, o detentor do recorde nacional com a marca conseguida nessa corrida de 1968. Aliás, além de não o voltar a integrar em qualquer equipa olímpica, também não o incluiu no projeto dos Jogos Olímpicos de 2000, organizados em Sydney.
A história daquele momento "Black Power" de 1968 já foi contada várias vezes, incluindo aqui n"OJOGO, mas volta agora a ser notícia porque, depois de um pedido formal de desculpas feito pelo parlamento australiano e também pelo comité olímpico, foi inaugurada há dias uma estátua de bronze, em Melbourne, que reproduz a postura de Norman no pódio, e que serve de complemento ao tal pedido de desculpas que tardou meio século.
Em 1968, Smith e Carlos eram favoritos nos 200 metros e combinaram aquele protesto. Norman surpreendeu-os na corrida, mas acabaria por ser um aliado inesperado no plano inicial, que ambos lhe contaram momentos antes de subir ao pódio. Aliás, diz-se até que terá partido do australiano a sugestão para que cada um deles usasse uma luva preta (de mãos diferentes, porque Carlos se esquecera do seu par quando se dirigiu para a cerimónia).
O burburinho foi intenso, Smith e Carlos foram obrigados a regressar a casa, e Norman viu-se confrontado com uma campanha desfavorável no seu país, até porque tratou de acrescentar que a luta antirracista não era um problema circunscrito à América. Deu como exemplo o tratamento que a Austrália dispensou ao povo aborígene.
Peter Norman faleceu a 9 de outubro de 2006. Smith e Carlos carregaram o caixão e relembraram a importância histórica do parceiro. A Austrália, porém, continuou de costas voltadas, e só recentemente começou a honrar-lhe a memória. A estátua agora inaugurada completa o ciclo de homenagens póstumas que lhe têm sido prestadas.
O pódio revolucionário de 1968
Ficou para a história a cerimónia de atribuição das medalhas dos 200 metros nos Jogos Olímpicos de 1968, no México. Tommy Smith (1.º) e John Carlos (3.º), ambos americanos, protestaram contra a desigualdade racial nos Estados Unidos. O australiano Peter Norman (2.º) foi solidário e a Austrália voltou-lhe as costas.
Peter Norman intrometeu-se entre os favoritos Smith e Carlos na corrida de 200 metros de 1968, que finalizou em 20,06 segundos. É, ainda hoje, a melhor marca australiana na distância e, aliás, teria sido suficiente para conquistar a medalha de ouro, por exemplo, nos JO de Sydney, em 2000. O grego Kostas Kenteris foi ouro com o tempo de 20,09 segundos.