É já chamada a Supercoppa da vergonha. A final da supertaça italiana, entre a Juventus e o AC Milan, marcada para quarta-feira em Jedá (Arábia Saudita), motiva fortes críticas por restrições às adeptas. O historial em Direitos Humanos dos sauditas, sobretudo após o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, já levara a apelos políticos para que o jogo não se realizasse no país do Médio Oriente.
Na próxima quarta-feira, a cidade de Jedá irá receber a Supertaça de Itália, jogo que oporá a Juventus, de Cristiano Ronaldo e Cancelo, e o AC Milan. Um desafio cuja marcação para a Arábia Saudita foi contestado desde a primeira hora por várias organizações, nomeadamente a Amnistia Internacional - recordando o "mau desempenho" do país islâmico "em questões de direitos humanos". Posteriormente, o ex-ministro do Desporto de Itália, Luca Lotti, pediu para que o encontro não se disputasse em Jedá, lembrando o caso Jamal Khashoggi: o jornalista saudita exilado na Turquia, e conhecido crítico do regime, foi assassinado, a 2 de outubro, na embaixada do seu país em Istambul, onde terá sido ainda desmembrado na tentativa de ocultação de cadáver.
Se a controvérsia já era grande, no início do ano juntaram-se várias forças políticas italianas na "condenação" à forma como a Lega Serie A vendeu a Supercoppa aos sauditas, por interesses económicos. O novo motivo: as restrições a que as adeptas vão estar sujeitas no estádio. Se os homens poderão assistir ao jogo sozinhos nas bancadas, as mulheres terão de fazer-se acompanhar e apenas vão poder sentar-se nas designadas zonas de família.
Matteo Salvini, vice-primeiro-ministro italiano e conhecido tifoso do AC Milan, foi taxativo: "É a morte do futebol e dos valores desportivos, do respeito pela igualdade. Digam-me se a supertaça italiana, em nome de uns milhões de euros, deve ser jogada a milhares de quilómetros e num país que tem problemas como o de as mulheres não poderem entrar no estádio se não forem acompanhadas", reforçando: "Como milanista não verei este jogo e sinto vergonha de quem vendeu os ideais desportivos ao deus do dinheiro."
Laura Boldrini, presidente da Câmara dos deputados italianos, não foi menos crítica. "É incrível que numa nossa manifestação desportiva se tenha decidido impedir o acesso das mulheres a algumas zonas do estádio. Estão a sacrificar-se os direitos das mulheres em nome de interesses, o que é extremamente ofensivo para as mulheres e quem acredita nos direitos delas. Se a Lega Serie A não vê nisto um problema, então é porque os direitos das mulheres estão em segundo plano."
Não obstante as críticas e contestação, o jogo - que poderá dar a Cristiano Ronaldo o primeiro título com a camisola bianconera - irá mesmo realizar-se em Jedá. Os petrodólares sauditas falaram mais alto, como se depreende das palavras de Gaetano Miccichè, presidente da Lega Serie A. "O futebol sempre procurou plateias globais para crescer. A Arábia Saudita é o maior parceiro comercial italiano no Médio Oriente, graças a dezenas de importantes empresas italianas que exportam e operam no local. O futebol não faz política, mas tem um papel social, neste caso é um veículo de união e comunicação entre povos que não tem igual em nenhum outro sector", lê-se em comunicado.
É caso para dizer: o futebol - de um país da União Europeia que tem leis que defendem a igualdade de género e proíbe a discriminação sexual - tem um papel social, desde que outros valores (dinheiro) não falem mais alto.
Há um ano fez-se história na Arábia
Há um ano e um dia, fez-se história na Arábia Saudita quando, pela primeira vez na história do país, as mulheres sauditas puderam entrar num estádio para assistir ao vivo a um jogo de futebol da liga local: o Al-Ahli contra o Al Batin. Antes, mulheres de outros países haviam sido autorizadas a apoiar equipas estrangeiras, como sucedera, por exemplo, em 2014, na final da Champions asiática entre o Al Hilal e os australianos do Western Sydney.
Até esse dia 12 de janeiro de 2018, qualquer mulher identificada num estádio seria detida e condenada, como chegou a suceder. Mas a abertura não é total, apenas alguns recintos desportivos, em cidades como Riade e Jedá, possuem os tais sectores especiais nas bancadas para acolher mulheres - e famílias -, as quais acedem aos mesmos por zonas distintas dos homens.
Apreensão com o Mundial
A realização de provas internacionais em países árabes tem sido contestada, como é o caso do Mundial de 2022. Uma prova que a FIFA quer ampliar para 48 seleções, com o apoio logístico de outros... países. Desde a primeira hora em que se soube que a FIFA atribuíra a organização dessa edição ao Catar, este pequeno país do Golfo Pérsico tem estado debaixo de fogo, sobretudo no Ocidente. Mas não só. Os vizinhos Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e Barém, assim como o Egito, todos países de língua árabe e islâmicos, impuseram em junho de 2017 um boicote económico ao Catar que perdura, apesar das recentes negociações. Os sauditas acusam, entre outras coisas, o Catar de ter uma relação próxima com a Irmandade Muçulmana, organização que consideram terrorista.
Este é um problema que a FIFA espera ver resolvido para cumprir o desejo - recentemente reforçado por Gianni Infantino, de ampliar para 48 o número de seleções participantes na competição. Dia 13 de dezembro, em Doha, o dirigente máximo do organismo explicou que a grande questão é se "é possível ou não" e que para isso suceder, "por motivos logísticos", alguns jogos teriam de realizar-se em países vizinhos do Catar, os quais já possuem infraestruturas capazes. Apelou, por isso, para que a crise diplomática se resolva.
Mas as polémicas com o Catar são muitas. Desde a alegada compra de votos para receber a prova - sob investigação -, passando pela questão dos direitos dos trabalhadores estrangeiros que, em regime de quase escravatura, estavam a fazer obras para receber o evento, à lei que proíbe a homossexualidade; ou das fortes restrições ao consumo de álcool e tabaco.