Despique de rivais da Liga no Campeonato de Portugal traz de volta o carisma de Beira-Mar e Salgueiros, onde jogaram Jardel e Deco. Dinis, figura em Aveiro, e Milovac, em Vidal Pinheiro, recuam no tempo e atacam presente
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Jogo de históricos, autênticos pesos pesados amassados no orgulho e nos confins dos campeonatos nacionais. Beira-Mar e Salgueiros vão disputar jornada decisiva no Campeonato de Portugal, embrenhados em contas diferentes, pela subida, no caso dos portuenses, na fuga a mais um martirizante destino, olhando aos aveirenses. São credenciais que se tocam e sentimentos que se abraçam. De quem se digladiou 18 vezes no convívio dos grandes. Entre 27 e 24 presenças no escalão maior, Beira-Mar e Salgueiros são, respetivamente, clubes com créditos firmados mas numa procura desesperada de autoestima, de reencontro com dias épicos no Mário Duarte e Vilar Pinheiro, no fundo, dois emblemas que fizeram a sua tradição no mapa nacional render-lhes frutos de aventuras europeias.
Grandes craques montaram ambições, elevaram a reputação, o Beira-Mar foi de Jardel, o Salgueiros de Deco, os aveirenses tiveram Abdelghani, os portuenses Nikolic, os dois foram considerados dos melhores estrangeiros em Portugal. António Sousa e Carlos Manuel, figuras do futebol português, foram treinadores influentes, um no Beira-Mar, outro no Salgueiros, o filão jugoslavo foi forte em ambos os clubes, Filipovic foi peça comum. Fary, Ricardo Sousa e Dino Furacão foram estrelas em Aveiro, Sá Pinto, Edmilson ou Abílio em Paranhos. Também os mais folclóricos, como Lobão ou Marcos Severo. E não escapam aqui outros nomes fundamentais que elevaram Beira-Mar e Salgueiros a ossos duros de roer, garantes de choques desconfortáveis até para os grandes. Casos de Eliseu e Dinis, pelos beiramarenses, de Milovac, pelos salgueiristas.
"Custa-me muito ver as duas equipas num patamar tão baixo. Nunca pensei que isso acontecesse com o Salgueiros e acredito que o sentimento é o mesmo para quem acompanha o Beira-Mar. Não era possível pensar em algo assim. Tivemos jogos bem disputados, por norma ambos com pretensões de permanência", recorda Milovac, figura de cartaz dos melhores anos do Salgueiros.
Dinis Resende, carismática figura devota das cores do Beira-Mar, também alinha nesta nostalgia.
"Devo falar de duas ausências muito sentidas no futebol maior, pela história e tradição de ambos. Ainda me lembro de uma luta europeia entre os dois, infelizmente, o Beira-Mar perdeu o acesso por diferença de golos, lutavam os dois discretamente por esse sonho. Eram equipas com jogadores reconhecidos como Sousa, Abdelghany, Acácio, Nikolic, China ou Petrov", precisa.
Milovac domina a conversa a partir das afinidades entre jugoslavos da Sérvia, que eram peças dominantes nas duas equipas. "Eram realmente duas das equipas com maior presença jugoslava. Punisic tinha sido meu companheiro no Vojvodina, tínhamos sido campeões em 88/89. Foi trazido por Filipovic. Tinha amigos lá, mas também grandes profissionais. Cada um lutava pelo seu clube e não se misturava amizade. O mesmo acontecia com Draskovic e Kristic", revela.
Salgueiros a ver subida e Beira-Mar numa batalha mais delicada
O antigo central do Salgueiros debruça-se sobre a atualidade, sendo ele adjunto de uma equipa que vai ocupando lugar que rende acesso à fase de subida. Mas com perseguição muito cerrada do Marco, quando faltam disputar quatro jornadas na Série B do Campeonato de Portugal.
"Estou esperançando que o Salgueiros vença este jogo para continuar na luta pela subida. Mas não será fácil porque do outro lado está uma equipa que precisa de sair de uma situação complexa. Este campeonato está muito bem disputado e não vejo muitas diferenças. Quem marca primeiro ou comete menos erros, normalmente gaha. Espero que o Salgueiros seja mais feliz para voltar ao lugar onde merece estar", afiança o sérvio que ficou radicado em Portugal e é adjunto do atual Salgueiros, onde foi um dos pilares durante longa carreira como defesa, exposta em 235 partidas.
A resposta sai pronta, pela boca de Dinis. "Este jogo é vital para ambas as equipas, é uma cartada muito importante para o Beira-Mar na luta pela permanência e pelo Salgueiros na caminhada para a subida. Vejo o Beira-Mar muito motivado e a subir de rendimento. Jogando em casa espero que possa alcançar os três pontos e a tranquilidade no campeonato. Acredito que vai dar continuidade à vitória arrancada no terreno do Lamas. Penso que tem valor para isso", expressa Dinis, 134 partidas pelo Beira-Mar.
"Batíamos primeiro, depois olhávamos a bola"
Eliseu, desde o Brasil, também falou ao JOGO, recordando mítica dupla com o Sandokan. Também recorda o peso de um Beira-Mar que ganhou direito a excursão no Egito. E um caro passeio de camelo.
Ao lado de Dinis em Aveiro, jogava Eliseu, no centro da defesa eis uma dupla de betão, intratável contra qualquer tipo de avançados. Fartaram-se de jogar lado a lado, apurando a aliança com caráter duro e impressionante. O brasileiro, que também atuou por Estrela Amadora e Felgueiras, recorda anos maravilhosos em Aveiro.
"Tenho carinho enorme por tantos anos sublimes e épocas fantásticas. Ficaram vários amigos, que mantenho, o Beira-Mar fará sempre parte da minha vida, por tudo o que aconteceu e os grandes momentos vividos. Jogando com Dinis, Sousa, Dino Furacão, Hugo Costa, Acácio. Era uma grande equipa", partilha, situando-se no que era o peso do Beira-Mar e Salgueiros. "Lembro grandes jogos, o Salgueiros tinha Mário Reis que era um técnico que dificultava muto o nosso trabalho, formavam boas equipas. Com Deco, Edmilson, Vinha. Era um clube de elite, uma equipa aguerrida. Quem fosse ao Mário Duarte muitas dificuldades teria ou acabava derrotada, como acontecia habitualmente com os grandes, relembra Eliseu, particularizando histórias mais jocosas do seu tempo em Aveiro.
"Ainda me lembro da excursão ao Egito, fizemos dois jogos, foi coisa preparado pelo Abdelghani. Havia passeios nas pirâmides e nos camelos. Estava tudo pago pelos clubes. Eu vi ali um contexto e subi num camelo, comecei a andar até que um menino surgiu a dizer que eram 100 dólares. Era o preço e era muito dinheiro, fui pedindo ajuda para juntar essa quantia. Sempre conto isso para os meus filhos e neto", sustenta o central, conhecido como muralha rochosa, um duro descomplexado da época tal como Dinis 'Sandokan'.
"Eu, Dinis e Hugo Costa éramos vulgarmente designados 'as torres'. Dávamos trabalho, passar por nós era complicado. Primeiro batíamos, depois é que procurávamos a bola. Mas a dupla com Dinis foi forte, estivemos lado a lado vários jogos. O Beira-Mar era sólido, muito coeso e aguerrido", evidencia o brasileiro, pesaroso com os dias correntes do emblema de Aveiro.
"Aqueles que gostam do Beira-Mar têm de contribuir e ajudar o clube, arrumar investimentos, sem eles o clube não vai para a frente. Sinto que é muito difícil para os adeptos ver a sua equipa no equivalente ao 4º escalão. Estamos falando de um clube de elite, que sempre passou uma ideia das suas ambições e caráter. Quem fosse ao Mário Duarte passava apertos e acabava derrotado. Acontecia muito aos grandes", testemunha.