PASSE DE LETRA - Um artigo de opinião de Miguel Pedro
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No seu livro seminal A Estrutura das Revoluções Científicas, o célebre filósofo Thomas S. Kuhn argumenta que o progresso da ciência não ocorre de forma linear e acumulativa, mas sim por meio de revoluções científicas. A ciência funciona, em geral, dentro de um paradigma - um conjunto de crenças, métodos e teorias aceites por uma comunidade científica. Com o tempo, surgem anomalias que o paradigma vigente não consegue explicar, fenómenos que são observados pela experiência e que não são consistentes com as explicações dentro do paradigma vigente. Quando essas anomalias se acumulam, pode ocorrer uma crise, levando à substituição do paradigma antigo por um novo - esse processo é chamado de mudança de paradigma.
Por exemplo, no século XVI, o modelo de Ptolomeu (Terra no centro do universo) foi substituído pelo de Copérnico (Sol no centro). Esta mudança foi uma revolução científica que alterou profundamente a nossa visão do cosmos. A física newtoniana explicava o movimento e a gravidade até ao início do século XX, mas falhava em situações extremas (como a velocidade da luz). A teoria da relatividade de Einstein substituiu o paradigma anterior, mudando radicalmente a compreensão do espaço e do tempo. As mudanças de paradigma são processos lentos e sempre conflituosos, com muitos avanços e retrocessos, críticos e defensores e só têm uma bitola: um paradigma só substitui outro se apresentar resultados reais na experiência empírica.
Carlos Vicens parece querer mudar o paradigma a que estamos habituados. Jogar sem laterais de raiz ou sem alas fixos é algo que nos confunde, que altera o conjunto de crenças sobre as táticas de futebol que fomos habituados a acreditar serem as corretas. Os adeptos, sempre mais afoitos a criticar do que a ter paciência, multiplicam-se nas manifestações de estupefação e pessimismo crónico. A vitória sobre o Levski de Sófia foi sofrida, é certo, e o Braga revelou algumas ineficiências que podem ser – ou não – consequências da adaptação à mudança de paradigma tático de Carlos Vicens. Mas o certo é que vencemos e passámos a eliminatória. E, tal como na evolução da ciência humana, são os resultados concretos, os dados da experiência, que definem a mudança de paradigma. O processo de adaptação dos jogadores aos novos métodos de jogo de Vicens, bem diferentes daqueles a que estão habituados, será necessariamente lento, com avanços e recuos, afetando a qualidade do futebol praticado. Mas será pelos resultados que teremos de avaliar se o novo paradigma do treinador espanhol veio ou não para ficar.