Último treinador de Rúben Amorim: "Bebíamos umas canecas de café preto, ficávamos horas a falar..."
Declarações de Mauricio Larriera, último treinador de Rúben Amorim, no Al-Wakrah, do Catar, onde o agora técnico do Manchester United terminou a carreira de futebolista. Entrevista ao programa "Bola Branca", da Rádio Renascença
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Chegada de Rúben Amorim ao Al-Wakrah: "A chegada do Rúben [Amorim] foi um pouco estranha. Os latinos estão habituados a fazer o plantel com a área desportiva, o diretor desportivo, entre outros, mas nos países árabes é mais impulso. Pedi um par de futebolistas e não veio nenhum. Podíamos ter quatro estrangeiros, e um tinha de ser asiático. Tinha dois argentinos, um marroquino e um iraquiano. Na pré-temporada fomos para Itália e lá liga-me o xeque, que era muito futeboleiro e muito boa gente, e disse-me: 'Acabámos de contratar um futebolista, chama-se Ruben Amorim'. Quando me ponho a averiguar, ele tinha estado no Mundial anterior. 'Mas não o podemos incorporar, temos as vagas ocupadas', disse-lhe, mas ele disse que era possível. Ele ia chegar depois de muitas lesões, não estava preparado, não vinha bem fisicamente"
Rúben Amorim aumentou o nível da equipa: "Acabou a pré-época, regresso a Doha e conheço pessoalmente o Rúben, já tinha muitas referências dele. Tinha de tirar outro para o meter a ele no plantel, mas ele não estava preparado. Então, foi para a Academia Aspire fazer um trabalho físico especial e depois começou a treinar paulatinamente connosco. Quando o conheci, vi que era um tipo fenomenal. Somos latinos, temos muito em comum, vemos o futebol de outra maneira. Ele meteu-se em forma. A equipa não começou bem. Ele entrou nos treinos, aumentou muitíssimo a qualidade dos mesmos. Comecei a planificar os treinos para uma equipa profissional de verdade. (...) Ele começou a treinar e dava gosto. Obviamente, era um jogador de nível mundial, entendia tudo. No quarto jogo decidi trocar o argentino Gastón Sangoy pelo Rúben Amorim, não foi fácil, havia uma questão afetiva, mas tratava-se de uma decisão de futebol. Tive sorte: quando se estreia o Rúben, ganhámos 1-0 e o golo é dele, fez um jogaço. A decisão legitimou-se pela exibição dele."
Rúben Amorim expulso em dois jogos: "Jogou sempre muito bem, lamentavelmente expulsaram-no num jogo... Em dois. E pedia-me desculpa por isso. São coisas do jogo, mas ele chateava-se até mais do que eu quando as coisas não saíam. A impotência que sentia superava-o. [expulsões] Foram por carrinhos, que eu proibia, porque normalmente é cartão e hoje com o VAR ainda mais. Num jogo levou dois amarelos, acabámos por perder. No outro foi por uma patada, um pouco por cansaço e outro por impotência. Sentia-se muito impotente. Nos treinos chateava-se e dizíamos-lhe: 'Rúben, não te chateies, por favor'. Às vezes era ele: 'Mauricio, não te irrites por favor', agarrando a cabeça. Ele não entendia certas coisas, o Catar estava num processo de crescimento."
Rúben Amorim vinha de um nível alto: "Muito alto, mas muito alto. Permitiu-me elevar o nível e a qualidade dos treinos. Ajudou-me a executar alguns exercícios de alta complexidade. Vivíamos no mesmo sítio, bebíamos umas canecas de café preto e ficávamos horas a falar, a partilhar muitas coisas. Permitiu-me conhecer um ser humano excecional e um futebolista de nível de classe A. Eu via que ele tinha muito interesse nos nossos planos todos, de jogo, de tudo, mas não imaginava que estava a pensar ser treinador. Ele retirou-se lá e creio que tinha 32 anos, era muito jovem. Eu queria que ele ficasse lá e não ficou. Eu não estava com a família, era duro, quando ele se foi embora... pá, como dizem os uruguaios... ele disse-me para eu ficar, que eu estava bem, que me conheciam."
Feliz por Rúben Amorim chegar ao Manchester United: "Por um lado, penso que ele deixou o futebol muito jovem. Por outro, espero que lhe tenha ficado algo, sobretudo do lado humano, deste modesto treinador. Chamou-me muitíssimo à atenção o que fez como treinador. Fiquei muito contente por ver que é possível. Não tenho o objetivo de chegar à Europa, pode acontecer, gosto de alguns países, como Espanha, Portugal e Grécia. Ver o Ruben, que fomos companheiros e vejo-o como companheiro de trabalho, a chegar a esse nível, depois do que fez com o Sporting, fez o mesmo com outras equipas, foi uma escalada… fico muito orgulhoso de o ter conhecido, mais ainda de ter trabalho com ele, e de como me ajudou como pessoa e futebolista. Emociona-me vê-lo agora, imagino que fosse um objetivo. Acontecer isto tão jovem e com tantos treinadores a querer chegar a esse lugar de privilégio... fico muito contente. É um grandíssimo ser humano, foi um grandíssimo futebolista e transformou-se num grandíssimo treinador. Deixo uma frase de um cantor uruguaio: 'É lindo ter vivido isso para poder contá-lo', que um rapaz que está à frente do Manchester United trabalhou comigo e que foi um gosto conhecê-lo."