Sem verdadeiros extremos, o FC Porto foi curto para a organização sadina. Valeu que Josué quebrou a malapata dos penáltis e no banco ficou um artista que promete ser figura no campeonato. Que grande susto!
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Mangala caiu, Fernando errou, Lucho hesitou e até Jackson desperdiçou. O FC Porto tremeu. Que grande susto no Bonfim, mérito de um Vitória impecavelmente organizado, com um pulmão de sobra e um tridente ofensivo que promete arrasar os adversários mais frágeis. Isto a julgar pela comparação com as figuras mais proeminentes desta Liga, que ontem se viram em situações, esporádicas é certo, de raro desacerto. O triunfo não caiu do céu. Mas Paulo Fonseca pode agradecer aos deuses o minuto 49, que mudou toda a lógica de um jogo até então invertido: V. Setúbal por cima no resultado e a controlar, FC Porto sem soluções. Foi de penálti, já uma tradição das primeiras jornadas portistas.
Com toda a justiça, diga-se também, os dragões escusavam de ter passado por isto. Kieszek, que na passagem pelo Dragão não fez mais do que sonegar a Villas-Boas a possibilidade de conquistar tudo numa época (frango na Taça da Liga), garantiu que o V. Setúbal pudesse jogar e não estar morto aos 10'. Há demérito de Jackson? Algum. Mas não tanto como o brilho do polaco, que mais tarde voltou a aparecer para segurar as pontas e criar, ao intervalo, a ilusão de que o impacto do desaire do Benfica se perderia quase de forma instantânea.
Ao FC Porto, no entanto, não podem bastar alguns lances de golo assentes na fragilidade dos laterais sadinos, que permitiram um sem-número de cruzamentos, muitos mais do que a mecânica azul e branca deveria permitir. A verdade é que, sem Varela, Kelvin, Bernard ou outro extremo que não fuja para um campeonato secundário, o futebol portista tornou-se previsível e muito curto. No sentido literal, até. Licá e Josué são extremos muito interiores. E não fosse a multiplicidade de Defour e toda a construção se centraria em curtas dezenas de metros, sem largura de banda e claramente a beneficiar as equipas que, à partida, mais defendem. A equipa da casa sentiu-se como peixe no Sado. Dani, Paulo Tavares e Tiago Terroso valiam por dois face à inépcia de Fernando e ao desacerto de Lucho. Os três homens da frente recuavam para evitar que o FC Porto pudesse recomeçar a construção pelas laterais. E lá na frente não havia espaço. Nem o V. Setúbal o dava, nem Josué ou Licá o inventavam.
O sufoco pedia a subida dos defesas, mas permitia que os locais, quase sempre por Cardozo (que grande descoberta no Paraguai), se esticassem com perigo. Aos 12' valeu a vantagem. Ao intervalo percebeu-se que valera mais do que isso: descontração, nervosismo e incapacidade do tricampeão para mudar a história sem a injeção de um capital de confiança renovado. Pedia-se Quintero, mas apareceram Josué e... Kieszek, numa história rocambolesca que começou num pénalti para o FC Porto e terminou com a expulsão desnecessária do polaco. O jogo mudaria. Estava na cara que sim.
Paulo Fonseca não perdeu muito tempo e lançou Quintero para aproveitar os novos espaços que se abriram. O FC Porto não foi, no papel, muito diferente. Mas, na prática, passou do 8 ao 80, às custas de um talento inegável e de uma amplitude de qualidades que não se esgotam no remate, pulmão ou último passe, mas que contagia toda a equipa e a puxa para cima. A última meia hora do FC Porto foi finalmente condizente com aquilo que o estatuto de campeão pede e a série de 100 jogos consecutivos com apenas uma derrota exige. E, à primeira jornada, o dragão já leva vantagem sobre o crónico rival...